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A Grande Transformação: Como o Vietnã Está Rompendo a Armadilha da Renda Média Com Cinco Projetos Estratégicos

A “armadilha da renda média” tem sido o pesadelo de inúmeras nações em desenvolvimento, mas o Vietnã está traçando um caminho único e ousado para superá-la. Acompanho de perto não apenas o crescimento econômico impressionante do Vietnã, mas principalmente sua transformação estrutural. Participando ativamente do desenvolvimento de negócios entre Brasil e Vietnã, tenho uma posição privilegiada para observar e analisar como o país está executando uma estratégia meticulosamente planejada para dar seu próximo grande salto desenvolvimentista.

Neste artigo, vou compartilhar minha análise sobre os projetos estratégicos que, em minha visão, serão fundamentais para impulsionar o Vietnã além da armadilha da renda média. Não são apenas projetos isolados, mas peças de um quebra-cabeça maior, cuidadosamente planejado para resolver os principais gargalos que têm impedido o país de alcançar o próximo nível de desenvolvimento econômico. São transformações que testemunho não apenas como observador, mas como participante ativo no cenário de negócios local – mudanças reais e tangíveis que estão remodelando o país diante dos meus olhos.

Rodovia Expressa Norte-Sul: A Espinha Dorsal do Novo Vietnã

Trecho em construção da rodovia expressa Norte-Sul.
Trecho em Construção da Rodovia Expressa.

Vamos começar pela North-South Expressway, e preciso deixar algo bem claro: não estamos falando de uma simples rodovia. É a espinha dorsal que vai integrar o Vietnã de ponta a ponta. São US$ 6,5 bilhões investidos em 2.063 quilômetros conectando Lang Son, no norte junto à fronteira com a China, até Ca Mau, no extremo sul do país. E ela atravessa praticamente toda a costa o país – estamos falando de 32 províncias que concentram 62% da população e geram 65,7% do PIB vietnamita.

A rodovia contará com 4 faixas nas áreas montanhosas, chegando a 10 faixas nos grandes centros econômicos, tudo projetado para velocidades de 100 km/h. E aqui está o ponto crucial que poucos percebem: esta rodovia vai conectar 16 aeroportos (que respondem por 91% dos voos), 74% dos portos marítimos e 75% das zonas econômicas do país. É uma integração logística em escala nacional.

O que mais me impressiona, acompanhando o desenvolvimento deste projeto, é ver como o governo vietnamita está executando tudo de forma extremamente profissional. Eles dividiram a construção em fases gerenciáveis e já implementaram um sistema de pedágio inteligente que vai gerar US$ 1,67 bilhão em receitas só nos primeiros dez anos, tornando o projeto sustentável desde a primeira execução. Tenho visto muitos projetos de infraestrutura ao redor da Ásia, mas a capacidade de execução que o Vietnã está demonstrando aqui é notável.

Trem de Alta Velocidade: Revolucionando a Mobilidade

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Trem de alta velocidade nos Laos, possivelmente o modelo que Vietnã irá adotar.

Um dos meus projetos favoritos aqui e que vai revolucionar completamente a forma como o Vietnã se conecta: o trem de alta velocidade. Se a expressway é a espinha dorsal rodoviária, este trem é seu equivalente ferroviário. Com um investimento de US$ 67 bilhões, esse projeto cria uma das ferrovias mais modernas da Ásia, conectando Hanói a Ho Chi Minh City com trens operando a até 350 km/h.

Preciso contextualizar algo importante aqui: Hanói e Ho Chi Minh City são os dois principais pólos econômicos do país, mas hoje elas funcionam quase como duas economias separadas devido à distância e tempo de viagem. Uma viagem de trem atual leva mais de 30 horas – é praticamente inviável para negócios. Com o trem de alta velocidade, isso cai para apenas 5 horas e 20 minutos. É uma mudança que vai transformar completamente a dinâmica econômica do país.

São 23 estações de passageiros e 5 estações de carga estrategicamente posicionadas ao longo do percurso, e isso é crucial: cada uma dessas estações vai se tornar um novo polo de desenvolvimento. Estou vendo isso acontecer em tempo real aqui – regiões que antes eram consideradas “muito distantes” para negócios já estão atraindo investimentos em antecipação à chegada do trem.

O que mais impressiona, é a abordagem extremamente pragmática do Vietnã. Eles dividiram a operação em três tipos de serviço: trens expressos de alta velocidade para executivos e turistas que precisam ir direto de uma cidade à outra, trens regulares com mais paradas para atender as cidades médias ao longo do percurso, e trens de carga operando em horários específicos. É uma solução que maximiza o uso da infraestrutura e garante que o projeto beneficie todo o país, não apenas as grandes cidades.

Esta conexão entre norte e sul é absolutamente fundamental para o próximo passo do desenvolvimento vietnamita. Hoje, muitas empresas precisam manter operações duplicadas nas duas regiões devido ao tempo de viagem. Com o trem, teremos efetivamente um único mercado integrado de 100 milhões de pessoas. Isso vai permitir maior especialização regional, economias de escala e uma integração econômica que hoje é simplesmente impossível. É a diferença entre ter duas economias regionais fortes e uma economia nacional verdadeiramente integrada e competitiva globalmente.

Aeroporto Internacional de Long Thanh: O Novo Hub da Ásia

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Renderização do primeiro terminal do Aeroporto de Long Tanh finalizado.

Se você quer realmente entender a ambição do Vietnã e para onde o país está indo, precisa olhar para o projeto do Long Thanh International Airport. Com um investimento de US$ 18,7 bilhões, este não é apenas mais um aeroporto, é a declaração do Vietnã ao mundo de que o país está pronto para se tornar um dos principais hubs da Ásia.

Os números são extraordinários e mostram claramente essa ambição: estamos falando de capacidade final para 100 milhões de passageiros e 5 milhões de toneladas de carga por ano, quatro pistas de 4.000 metros cada (capazes de receber qualquer aeronave do mundo), e um terminal inspirado na flor de lótus que será um cartão postal do país. Mas o projeto vai muito além dos números impressionantes.

O que poucos percebem é o objetivo estratégico por trás deste aeroporto: o Vietnã está se posicionando para competir diretamente com os grandes hubs asiáticos como Singapura, Hong Kong e Bangkok. Não é por acaso que o aeroporto está sendo construído com essa escala monumental – ele vai servir como porta de entrada não só para o Vietnã, mas para toda a região do Sudeste Asiático.

E aqui está o ponto crucial: o Long Thanh não está sendo construído isoladamente. Ele é parte de um sistema integrado de mobilidade que vai transformar Ho Chi Minh City em uma verdadeira cidade global. Será conectado ao centro por trem de alta velocidade e uma linha de metrô dedicada, além de múltiplas autoestradas. Um executivo vai poder sair de uma reunião no centro financeiro e estar no aeroporto em menos de 30 minutos – isso muda completamente o jogo para atrair negócios internacionais.

A primeira fase, com investimento de US$ 4,6 bilhões, está avançando rapidamente e deve ser concluída em 2026. Acompanho o progresso diariamente e é impressionante ver a transformação acontecendo, com mais de 6.000 trabalhadores no canteiro de obras. Mas o mais empolgante é perceber como este aeroporto vai impulsionar toda a região: vai sustentar o crescimento do turismo (que já está explodindo no Vietnã), vai atrair eventos internacionais, vai facilitar negócios globais e, principalmente, vai consolidar Ho Chi Minh City como uma das principais metrópoles da Ásia.

Megaporto Internacional de Can Gio: Independência Logística Marítima

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Renderização do projeto do Porto de Can Gio.

Com um investimento inicial de US$ 4,8 bilhões, este megaporto vai fazer muito mais que ampliar a capacidade portuária do Vietnã, ele vai transformar completamente a competitividade do país no comércio global.

E por que esse projeto é tão transformador? hoje, o Vietnã depende fortemente de portos estrangeiros para suas exportações e importações. Qualquer volume que precise usar um navio muito grande (e hoje os navios estão cada vez maiores para ganhar eficiência) precisa primeiro ir para Singapura ou Hong Kong para fazer transbordo. Isso significa mais tempo, mais custos, mais complexidade logística. Imagine o impacto disso nos custos e na competitividade.

Os números do projeto são impressionantes: 7,2 quilômetros de cais principal, capacidade para navios de até 250.000 DWT (isso significa os maiores navios porta-contêineres do mundo, de 24.000 TEUs), e uma capacidade que vai crescer de 2,1 milhões de TEUs inicialmente para 16,9 milhões de TEUs quando estiver em plena operação. Mas o verdadeiro impacto vai muito além desses números.

Can Gio vai permitir que o sul do Vietnã se conecte diretamente com qualquer porto do mundo, sem intermediários. Isso significa redução dramática nos custos logísticos, menos tempo de transporte, maior previsibilidade nas operações. Para a indústria vietnamita, isso é um game changer total, vai tornar as exportações mais competitivas, vai atrair mais investimentos, vai permitir que as empresas aqui compitam em igualdade de condições com qualquer outro país.

E tem mais: o projeto não é só um porto. Can Gio está sendo planejada para se tornar uma nova área urbana de altíssimo padrão, com centro financeiro, áreas residenciais premium e toda infraestrutura necessária para se tornar um hub logístico e comercial de classe mundial. Será conectada a Ho Chi Minh City por pontes, rodovias expressas e até mesmo uma linha de trem.

É um projeto que mostra como o Vietnã está pensando grande e de forma integrada: não é só sobre construir um porto, é sobre criar todo um novo polo de desenvolvimento que vai impulsionar a economia do país para outro patamar. Can Gio vai ser para o Vietnã o que Shenzhen foi para a China: uma nova área que nasce já pensada para ser um centro global de comércio e inovação.

Usina Nuclear de Ninh Thuan: A Jogada Mestra

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Após oito anos de pausa, o Vietnã não só retomou seu programa nuclear, mas definiu um objetivo ambicioso que mostra bem a determinação do país: ter sua primeira usina operacional até 2030, coincidindo com o centenário do Partido Comunista do Vietnã.

E este projeto vai muito além de simplesmente gerar energia. O Vietnã está se preparando para uma transformação completa de sua matriz energética, e a energia nuclear é a peça fundamental desta transformação. O trem de alta velocidade sozinho vai consumir energia equivalente a uma cidade pequena. O novo aeroporto, o porto, os centros de dados para IA que estão chegando ao país, a nova indústria de alta tecnologia que está se estabelecendo aqui, tudo isso demanda energia limpa, constante e abundante.

E não para por aí. O Vietnã tem planos ambiciosos de eletrificação total do transporte e estou vendo isso acontecer em tempo real aqui. O governo já anunciou que quer 100% das motocicletas e 70% dos carros sendo elétricos até 2050. Empresas de tecnologia estão estabelecendo centros de pesquisa em IA e computação avançada no país. A indústria está se modernizando rapidamente com automação e robótica. Tudo isso precisa de uma base energética sólida.

Esta é a beleza do planejamento vietnamita: eles entenderam que para dar o salto para uma economia avançada, precisam primeiro garantir a infraestrutura energética que vai sustentar esse salto. A usina nuclear é o alicerce que vai permitir ao Vietnã não apenas executar todos esses megaprojetos de infraestrutura, mas transformar completamente sua economia para um modelo mais limpo, mais tecnológico e mais competitivo globalmente.

A Visão do Todo: Quebrando a Armadilha da Renda Média

O que torna estes projetos verdadeiramente notáveis não é apenas sua escala individual, mas como eles se integram em uma estratégia coerente para superar o maior obstáculo do Vietnã: a logística.

Vivendo no Vietnã, vejo diariamente como estes projetos estão transformando o país. O trem de alta velocidade se conecta ao novo aeroporto, que por sua vez se liga ao megaporto, tudo alimentado por energia nuclear limpa e conectado pela nova autoestrada norte-sul.

Esta integração é a chave para entender a estratégia vietnamita. Ao atacar simultaneamente todos os gargalos logísticos: terrestre, aéreo e marítimo, e garantir energia limpa e abundante, o Vietnã está criando as condições necessárias para dar um salto qualitativo em seu desenvolvimento.

O resultado será um Vietnã completamente novo: mais conectado, mais eficiente, mais sustentável e, crucialmente, mais independente. Um país capaz de competir em igualdade de condições no cenário global, não mais limitado por restrições logísticas ou energéticas.

É uma transformação que está acontecendo diante dos nossos olhos, e o mundo precisa prestar atenção. O Vietnã não está apenas construindo infraestrutura, está construindo seu futuro, e fazendo isso de uma forma que poucos países em desenvolvimento conseguiram realizar. Com planejamento inteligente, execução determinada e uma visão clara do futuro, o país está criando seu próprio caminho para o desenvolvimento. E, a julgar pelo que vejo todos os dias, está no caminho certo para conseguir.

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Dionathan Santos

Dionathan Santos

Diretor Executivo ABRAVIET - Fundador e Chairman BVCCI (Câmara de Comércio e Industria Brasil-Vietnã)

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